Por: Cristiane de Almeida Peretti
Um bebê quando chega ao mundo imana possibilidades de quem poderá vir a ser. Quando inicia uma vida, outras tantas se desdobram. Aquele ser indefeso, vulnerável desperta inúmeros sentimentos nos pais e em seus cuidadores. Esta relação propicia despertar a consciência, mergulhar de cabeça no mundo das emoções. O tempo passa de forma diferente. Cada minuto vivido é tão intenso que parecem horas…a realidade ganha uma lente de aumento e os detalhes, antes não percebidos, ganham mais importância (para o alívio ou desconforto da mãe).
A chegada da criança revela as expectativas de realizar através do bebê, desejos contidos e não concretizados. O bebê é tomado quase como uma extensão de si. Assim inicia o desconforto da relação, que não atenderá essas demandas. Os sonhos e as projeções necessitam se adaptar à realidade. As ilusões a respeito da maternidade, dos cuidados e da vivência de um amor pleno, se encontram com a realidade que aos poucos abre suas cortinas.
As mulheres, desde pequenas, e mesmo hoje em dia, aprendem a cuidar de seus bebês/ bonecas. Inclusive, o cuidado é um valor intrinsecamente feminino, que marca um lugar de poder no qual nenhuma mulher abre mão, mesmo conquistando outras formas de relação e poder… Mas mesmo assim, o cuidar não é uma tarefa simples, pois exige moderação.
O recém-nascido é por nós recebido sem manual de instruções. A mãe percebe em seu corpo transformações físicas, hormonais e psíquicas nunca antes experimentadas. Do lado de fora, um mundo cheio de visitas, de pessoas que nem sempre percebem o cuidado que este momento exige. Nisso também mora uma confusão de emoções. Ao mesmo tempo que o encontro com os outros possibilita descontração e um certo alívio ao cansaço, a sensibilidade da mãe está a flor da pele. Pequenas intercorrências advindas desse contato podem funcionar como a gota d’água, que fazem trasbordar um copo cheio de “auto cobranças”.
Certa vez ouvi de uma sogra: ” venho aqui cuidar da minha nora, porque da minha neta ela cuida tão bem que chega a esquecer de si.” Quanta sensibilidade! Uma pessoa assim, carrega em si as lembranças do que passou e se dispõe ao outro na medida que se reconhece. Eis o cuidado valioso, aquele que é capaz de identificar quando e em que medida ajudar. Percebe na nova mãe o medo, as angústias, a insegurança e a carência, isso por tê-los vivido também um dia. Assim são passados os valores, de uma geração a outra, nestas marcas que carregamos registradas nas entranhas e que falam através dos nossos atos.
O encontro mãe/bebê é o momento que a mãe também encontra consigo no estado bebê. Frágil, vulnerável, carente de alimento e cuidados. Os fantasmas da sua relação com a própria mãe afloram e a vida parece dar uma segunda chance para a compreensão, para refazer os vínculos ou desfazer os nós. Momento de reconectar-se com o que foi, calmaria/tempestade, e passar pela mesma etapa, agora em outro nível, outro contexto, enxergando de um novo ângulo. Momento cheio de possibilidades de curar na alma feridas antigas, para que estas não acompanhem as gerações seguintes.
Sendo assim e diante de tantas questões relacionadas à maternidade, cabe diminuir os excessos do mundo externo, percebendo através das demandas do bebê as próprias demandas. Exercendo a materna idade, no sentido de sensibilizar-se às necessidades de cada um desses momentos e dar-se o direito de agir quando preciso e de aquietar quando necessário.
Indicações de Leitura:
GUTMAN, Laura, A Maternidade e o encontro com a própria sombra. 6 ed. Rio de Janeiro: Bestseller, 2014
BENSAID, Catherine; LELOUP, Jean-Yves, O essencial no amor, as diferentes faces da experiência amorosa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
